A televisão portuguesa SIC noticiou esta terça-feira que a SIC Notícias e a SIC Internacional “estão em condições de poder voltar a ser vistas em Angola”, após mais de um ano sem transmissões. Tudo graças a mais uma boa jogada (pelo menos) de marketing de João Lourenço.
“A SIC recebeu uma comunicação do Ministério da Comunicação Social de Angola, segundo a qual não existe qualquer impedimento em que as emissões dos dois canais sejam retomadas, sendo que o Governo e o ministro João Melo vê com agrado o regresso dos dois canais”, referiu a estação de Carnaxide durante o Primeiro Jornal.
A decisão de voltar a emitir a SIC Notícias e a SIC Internacional em Angola cabe agora às distribuidoras locais, “dependendo exclusivamente dos acordos e das conversações entre a SIC e as respectivas distribuidoras”, adianta.
As emissões dos dois canais da SIC foram interrompidas no ano passado, alguns meses antes do simulacro eleitoral que marcou o fim de 38 anos de presidência de José Eduardo dos Santos, com a “eleição” de João Lourenço como Presidente da República. A SIC Internacional emitia em Angola desde Agosto de 2000 e a SIC Notícias desde Novembro de 2003.
Recorde-se que a SIC disse no dia 5 de Junho de 2017 que era “totalmente alheia” ao facto de os canais SIC Notícias e SIC Internacional África terem deixado de ser transmitidos pela plataforma DStv em Angola tal como foram antes banidos pela Zap. A primeira depende do regime, a segunda é do regime. Tudo era normal num reino em que a liberdade de informação só é permitida aos que bajulem o MPLA.
“ASIC é totalmente alheia à decisão da retirada destes dois canais”, disse fonte oficial da SIC, acrescentando que a transmissão dos dois canais se mantém em Moçambique através da DStv. Também na África do Sul a DStv continuará a exibir a SIC Internacional África.
O grupo de televisão português informou ainda que, em Angola, se mantinham a transmissão dos restantes canais da SIC – SIC Mulher, SIC Radical, SIC Caras e SIC K. Ou seja, tudo quanto não se destinasse a revelar a verdade e a pôr os angolanos a pensar. Nessa altura, tal como hoje, existe liberdade para mostrar a megalomania luxuriante do regime, mas é proibido mostrar que esse mesmo regime colocou Angola no top dos países mais corruptos do mundo, que tornou o país no líder mundial da mortalidade infantil, e quem tem 20 milhões de pobres.
A DStv, empresa angolana não adiantou explicações para a decisão, referindo apenas que “lamenta pelos transtornos causados”, segundo a informação comunicada aos clientes na semana passada. Por outras palavras, limitou-se a cumprir “ordens superiores” de quem mandava no país, ou seja, na altura, sua majestade o rei José Eduardo dos Santos.
Esta decisão da DStv é semelhante à tomada anteriormente pela Zap, outra das duas operadoras generalistas em Angola, que em 14 de Março interrompeu a difusão dos canais SIC Internacional e SIC Notícias nos mercados de Angola e Moçambique, o que aconteceu depois de o canal português ter divulgado o real estado de um país com 20 milões de pobres, dirigido por um regime corrupto e ditatorial.
A Multichoice África, que tem a plataforma DStv, fornece serviços de televisão pré-paga de canais digitais múltiplos contendo canais de África, América, China, Índia, Ásia e Europa, por satélite.
Já a Zap, que iniciou a sua actividade no mercado angolano em Abril de 2010, é actualmente a maior operadora de TV por satélite em Angola.
A operadora portuguesa NOS detém 30% da Zap, sendo o restante capital detido pela Sociedade de Investimentos e Participações, da multimilionária empresária angolana Isabel dos Santos. A maioria do capital da NOS é detido pela ZOPT, ‘holding’ detida pela Sonae e por Isabel dos Santos.
Recorde-se que a 17.11.2016, num trabalho investigativo intitulado “Angola, um país rico com 20 milhões de pobres”, a SIC apresentou na sua Grande Reportagem, uma Angola que tem um dos maiores consumos de champanhe per capita e onde 70% da população vive com menos de dois dólares por dia, realçando que na última década o país registou um dos maiores crescimentos económicos do mundo mas manteve-se líder nos índices de mortalidade infantil.
Num trabalho da autoria do jornalista Pedro Coelho, com imagem de José Silva e Luís Pinto e edição de imagem de Rui Berton, a 3 de Março de 2017, a SIC Notícias transmitiu o terceiro e último episódio de um trabalho investigativo intitulado “Assalto ao Castelo”, também no seu programa Grande Reportagem, viajando até ao Dubai, numa filial do Banco Espírito Santo (BES) e expondo um mapa de um dos maiores escândalos financeiros que assolou Portugal e Angola.
“Temos a prova da ponte aérea que se estabeleceu entre membros influentes de Angola, alguns generais de José Eduardo dos Santos, e a filial do BES no Dubai – o ES Bankers Dubai. Durante dois anos circularam milhões de dólares entre Angola e o Dubai. Sabemos como e quando esse dinheiro circulou e onde foi parar”, reportou a SIC Notícias.
Lixívia na guerra SIC/TVI?
Em Portugal tudo serviu para lavar a imagem do regime de José Eduardo dos Santos e tudo serve para manter “limpinha” a imagem de João Lourenço. Mas há alguns que têm lixívia perfumada, o que sempre dá um ar mais agradável à porcaria. E, claramente, a TVI é a que mais se destaca. Recordemos o seu contributo para a causa dos angolanos de primeira, os do MPLA.
No dia 7 de Setembro de 2015 foi a vez de José Alberto Carvalho (“A TVI é a voz oficial de José Alberto Carvalho, que a jornalista Manuela Moura Guedes tratou por Zé Beto e apodou de burro”, escreveu o Jornal de Angola) apresentar mais um monumental fiasco jornalístico, mas nobre peça de branqueamento, de Victor Bandarra sobre a seita religiosa Kalupetaka.
Recordemos o texto aqui publicado nesse dia: “Certamente, como das vezes anteriores, com um guião escrito pelos seus amigos José Ribeiro e Artur Queiroz, eis que Victor Bandarra vai ao Huambo descobrir a pólvora, dando tempo de antena às verdades oficiais já que, como se viu, não conseguiu ouvir um só testemunho do lado dos seguidores de Kalupeteka, dos partidos da oposição, ou das organizações não-governamentais, da Igreja Católica, da Amnistia Internacional, da União Europeia ou das Nações Unidas.
Segundo o especialista em lixívia e seus sucedâneos da TVI, a ter havido um massacre no Monte Sume na Caála (Huambo), as vítimas foram apenas e só os elementos da Polícia que foram mortos por esses terroristas dos Kalupetekas.
Do ponto de vista da propaganda, reconheça-se que foi um brilhante trabalho. Do ponto de vista do jornalismo foi pura e simplesmente uma, mais uma, sabujice… certamente bem remunerada.
Em Outubro de 2013, o Pravda de Luanda (“Jornal de Angola”, segundo o MPLA), órgão de referência para Victor Bandarra e para os sabujos que lhe dão cobertura, atacou forte e feio a TVI, acusando os seus jornalistas de serem analfabetos, virando todas as baterias para José Alberto Carvalho (então director de informação) e Judite Sousa (directora-adjunta], tratando-a como a “segunda dama de Seara”.
Foi remédio santo. Os dois ficaram domesticados. Sentam, saltam e rebolam sempre que qualquer sipaio de Luanda lhes dá indicação para isso. Victor Bandarra faz o mesmo mas nem sequer precisa de receber ordens. Tal é a habituação.
Nesse texto sobre a “fuga dos escriturários”, o nosso Pravda (que não se inibiu, antes pelo contrário, de contratar Victor Bandarra para palestrar em Luanda sobre – imaginem! – jornalismo) é dito que a “TVI apresentou num dos seus noticiários o Jornal de Angola como ‘a voz oficial do regime angolano’”. Mostrando ser um paradigma do que de mais nobre, puro e honorável existe no jornalismo moderno, o jornal de José Ribeiro, Artur Queiroz e companhia, escreveu que “a TVI é a voz oficial da dona Rosita (Rosa Cullell, administradora delegada da Media Capital, dona da TVI) dos espanhóis” ou, em alternativa, “voz do conde Pais do Amaral, então presidente do Conselho de Administração da Media Capital“.
Mas há mais. “A TVI é a voz oficial de José Alberto Carvalho, que a jornalista Manuela Moura Guedes tratou por Zé Beto e apodou de burro”; “o canal de televisão é a voz oficial da segunda dama de Seara, inesperadamente apeada de primeira-dama de Sintra”.
Com este cenário, com a reacção do órgão oficial do regime, sendo o nosso país um mercado apetitoso pelo dinheiro marginal que tem, pelos caixotes diplomáticos cheios de dólares que aterram em Lisboa, pelos avultados investimentos que faz nas lavandarias portuguesas, a TVI do – citemos o Jornal de Angola – “escriturário” José Alberto Carvalho e da “ex-primeira dama de Sintra”, tinha de fazer alguma coisa, engrossando a sabujice lusa.
E quem melhor do que Victor Bandarra, um “jornalista” amigo do então presidente do Conselho de Administração das Edições Novembro, e director do Jornal de Angola, António José Ribeiro, para lavar a imagem do regime e, dessa forma, sanar as divergências entre os “escriturários” de Queluz de Baixo e os crónicos candidatos ao Prémio Pulitzer?
Feita a escolha, até por que Victor Bandarra continua a ser um exímio conhecedor dos hotéis de luxo de Luanda, tal como domina a máquina onde numa ponta se põe a Carteira Profissional de Jornalista e na outra sai o diploma de vendedor de banha da cobra, eis que TVI teima em fazer turismo e reunir os ingredientes necessários para o slogan “A TVI lava (ainda) mais branco”.
Sobre esta publicidade ao regime, tendo como argumento a seita Kalupeteka, quem não gostou foi a TPA, congénere local da TVI, que, assim, se viu ultrapassada na missão de lavagem e propaganda. A Televisão Pública de Angola pode, contudo, contratar Victor Bandarra para – como fez o Jornal de Angola – dar lições sobre a arte de bem bajular o dono.
No referido artigo do Jornal de Angola sobre a TVI e em que coloca José Alberto Carvalho e Judite de Sousa ao nível da escumalha, diz-se que “Pedro da Paixão Franco, o príncipe dos jornalistas angolanos, dizia que era muito difícil fazer progredir o jornalismo da época, porque da “metrópole” chegavam carradas de analfabetos que mal passavam o Equador eram logo transformados em jornalistas.”
E como é que a TVI respondeu a esses insultos? À boa maneira portuguesa: pondo-se de cócoras e “dando o cu e três tostões”, pela mão de um dos seus (Victor Bandarra), aos que a achincalharam sem apelo nem agravo.
“E em Portugal surgiu um fenómeno notável e que merecia um estudo profundo. Depois do 25 de Abril de 1974 o analfabetismo foi sendo banido, de uma forma galopante. Até há pouco, ninguém conhecia o segredo de tão simpático sucesso. Só agora se compreende o que aconteceu. Os analfabetos foram todos a correr para o jornalismo. E como eles dão nas vistas!”, escrevia o Jornal de Angola a propósito da TVI, admitindo-se que Victor Bandarra (até por ser amigo do paladino dos paladinos do jornalismo mundial, José Ribeiro) não esteja nessa sargeta.
“Um dia destes, a TVI apresentou num dos seus noticiários o Jornal de Angola como “a voz oficial do regime angolano”. Os analfabetos têm o seu quê de inimputáveis. Mas fica mal a profissionais do mesmo ofício entrarem por terrenos tão pantanosos. O Jornal de Angola é a voz dos seus leitores. E dos jornalistas que livremente escrevem nas suas páginas. Nada mais do que isso. Aqui não há vozes do dono nem propagandistas. Há jornalistas honrados que todos os dias tentam dar o melhor que podem e sabem para fazer chegar aos leitores os acontecimentos do dia”, dizia o articulista do Pravda numa enciclopédica e, como agora se constata, bem sucedida lição de jornalismo endereçada aos profissionais da TVI mas, sobretudo, a José Alberto Carvalho e Judite de Sousa.
“O Jornal de Angola tem um estatuto editorial que é seguido com rigor e sem hesitações. Se todos fizessem o mesmo, não assistíamos aos espectáculos deploráveis que vemos na TVI e noutros órgãos de comunicação social portugueses. Se o jornalismo português não estivesse atolado em fretes, se não fosse servido por analfabetos de pai e mãe, provavelmente hoje Portugal não estava a ser destruído pela Troika. E os portugueses não viviam angustiados por desconhecerem o dia de amanhã”, lia-se no artigo que ajudou decisivamente a colocar a TVI no rumo certo, ou seja, o da subserviência perante aqueles que põe qualquer coisa na mão (ou noutro sítio qualquer) dos portugueses para os satisfazer.
A cedência dos directores de informação da TVI perante mais esta emblemática “reportagem” que mais não foi do que a lavagem, mais uma, da imagem de um regime, envergonha todos os seus jornalistas e deveria levar à demissão de alguns.
Mas tal não acontece. Superiores interesses financeiros e de mercado levam a que a TVI coma e cale. Será que, agora, vai ser o mesmo com a SIC? Provavelmente a convite do Jornal de Angola, ainda vamos um dia deste ver em Luanda os directores de informação da SIC a ser palestrantes de jornalismo.